União estável e o registral imobiliária

O r. acórdão do STJ que hoje destacamos para a série Kollemata trata de importante tema relacionado com a publicidade registral. O aresto confirma o bom rumo sistemático que o tribunal tem dado a matéria.

O tema central do debate é este: deve-se privilegiar um direito estático (aqui representado pelo direito à meação do convivente) ou o direito de terceiros, aspecto dinâmico da publicidade registral?

A situação de fato é a seguinte: um casal conviveu por longos em união estável, adquirindo vários bens imóveis no seu interregno – fato cabalmente provado nos autos. Ao separaram-se, o varão os alienou a terceiros, vindo a companheira a pleitear em juízo a anulação das escrituras e, fato reflexo, o cancelamento dos registros, fundando seu pedido no art. 5º da Lei 9.278/1996, buscando a aplicação da regra do regime da comunhão parcial de bens (art. 1.647, I, e 1.725 do CC).

O STJ relevou a necessidade de promover a publicidade da situação jurídica que decorre do condomínio que exsurge com a união estável, a fim de tutelar os interesses do próprio convivente. Contudo, não ocorrendo a inscrição do contrato convivencial no registro de imóveis competente, deve-se tutelar e proteger os direitos daqueles que, de boa-fé, adquiram daquele que figura no registro no estado civil de solteiro.

Trata-se da tutela da boa-fé, eis que, “ao contrário do que ocorre no regime jurídico do casamento, em que se tem um ato formal (cartorário) e solene, o qual confere ampla publicidade acerca do estado civil dos contratantes, na união estável há preponderantemente uma informalidade no vínculo entre os conviventes, que não exige qualquer documento, caracterizando-se apenas pela convivência pública, contínua e duradoura”.

Portanto, não havendo a notícia no registro imobiliário da compropriedade decorrente da união estável, nem, tampouco, prova de má-fé dos adquirentes dos bens, impõe-se o reconhecimento da validade dos negócios jurídicos celebrados, a fim de proteger o terceiro de boa-fé.

Há de ser destacado, no v. aresto o voto-vista do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a excelente incursão histórica na tramitação aziaga do projeto de lei que afinal se converteu na Lei 9.278/1996. Desde o seu advento, lembra o ministro, houve severas críticas dirigidas à rejeição e veto dos arts. 3º e 4º do projeto que tratava da eficácia perante terceiros do contrato de convivência previsto no art. 5º da dita lei. Os problemas que hoje o tribunal enfrenta foram antevistos claramente pela doutrina, como citado no corpo do aresto que ora divulgamos.

Outros dois aspectos foram bem-apanhados pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. O primeiro deles é a incidência do parágrafo único do art. 54 da Lei 13.097/2015 ao caso concreto:

“Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel”.

Outro é o § 2º do art. 167, que trata da nulidade do negócio jurídico simulado, ressalvando-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado. (REsp 1.592.072-PR, j. 21/11/2017, Dje 18/12/2017, rel. min. Marco Aurélio Bellizze).

Fonte: Genjuridico